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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 46 - 9 de Março de 2008

JORGE HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)

Reencarnação: processo universal de aplicação dos códigos
da justiça divina

As primeiras referências à idéia de reencarnação se perdem na noite dos evos da História. Temos notícias dela há dois mil e quinhentos anos, nas Upanichades [escrituras sagradas do hinduísmo], até hoje a maior religião da Índia. Neste mesmo período, Pitágoras (1), filósofo e matemático grego, nascido por volta do ano 580 a.C., que foi discípulo de Ferecides de Siros, dizia que a alma era imortal e, depois da morte do corpo, ela ocupava outro corpo - palingenesia -, às vezes de um animal - metempsicose [tese equivocada do matemático de Samos]. Pelas fontes históricas, foi a primeira vez que a teoria da reencarnação foi mencionada no Ocidente. Posteriormente, Platão (429-347 a.C.), também filósofo grego, discípulo de Sócrates, ensinava que a alma nasce muitas vezes, até mesmo durante 10 mil anos, e, depois, parte para a bem-aventurança celestial.

Nos primeiros séculos, muitos grupos cristãos, majoritários, defenderam a palingenesia, especialmente os gnósticos (2), com sua visão profundamente inteligente do corpo e da matéria em geral. O extraordinário cristão Orígenes (3), de Alexandria, defendeu a reencarnação. A partir das suas reflexões, surgiu um grupo sábio de monges que passaram a professar também a doutrina das preexistências. Para os "donos" do poder clerical, o chamado "origenismo" tornava-se nefasto e tumultuava, mormente a Palestina; em face disso o patriarca da igreja de Jerusalém, no século VI, solicitou ao imperador bizantino Justiniano que interviesse.

O imperador escreveu um tratado contra Orígenes e levou o "dono" da igreja de Constantinopla a reunir aí um sínodo (4) em 543, que condenou as teses relativas à preexistência da alma e outras posições origenistas. Dez anos depois, em 553, com a aquiescência ambígua do papa Virgílio (5), o Imperador Justiniano convocou o II Concílio de Constantinopla, no qual, com astuta maquinação, retirou definitivamente a chamada "controvérsia origenista", mediante eleição espúria que venceu por 3 a 2 votos. E a reencarnação foi definitivamente banida dos preceitos de direito eclesiástico (6). Lógico! A Igreja estava defendendo nesse ato extravagante a doutrina do céu e do inferno e das penas eternas porque centrava mais poder em suas mãos. E dessa forma a reencarnação foi banida num dos mais graves equívocos cometidos pelo Cristianismo.

Antes disso, no século III, o notável Clemente de Alexandria observou em sua obra Stromata (Miscelâneas): "A hipótese de Basílides, um mestre gnóstico, diz que a alma, tendo pecado anteriormente em outra vida, experimenta punição nesta vida".

Nessa mesma época, Tertuliano, o primeiro autor cristão a escrever em latim, negando a metempsicose, se expressa muitas vezes sobre o assunto, como nessa passagem: "Quão mais digno de aceitação é o nosso ensino de que as almas irão retornar aos mesmos corpos. E quão mais ridículo é o ensino herdado (pagão) de que o espírito humano deve reaparecer em um cão, cavalo ou pavão!" (Ad Nationes, Cap. 19). Fica evidente que tanto quanto os espíritas, os sábios da Igreja também não aceitavam a metempsicose.

A tese da metempsicose conflitava a mente de alguns teólogos, questão que a rigor só foi mais bem esclarecida com o advento do Espiritismo. Vejamos o apologista e historiador Lactâncio, que no século IV expressa o pensamento dos seus contemporâneos cristãos: "Os pitagóricos e estóicos afirmavam que a alma não nasce com o corpo. Antes, eles dizem que ela foi introduzida no mesmo e que migra de um corpo para outro". Em outro ponto de sua obra As Institutas Divinas, ele afirma: "Pitágoras insiste que as almas migram de corpos desgastados pela velhice e pela morte. Ele diz que elas são admitidas em corpos novos e recém-nascidos. Ele também diz que as mesmas almas são reproduzidas ora em um homem, ora em uma ovelha, ora em um animal selvagem, ora em um pássaro... Essa opinião de um homem insensato é ridícula".

Outro testemunho importante vem do maior teólogo da Igreja antiga do século V, Agostinho. Ele estava familiarizado com as teorias de reencarnação tanto maniqueístas quanto platônicas do seu tempo. Em um comentário sobre Gênesis, ele rejeitou como contrária à fé cristã a idéia de que as almas humanas retornavam em corpos de diferentes animais, de acordo com a sua conduta moral (transmigração). Em A Cidade de Deus (Livro X, Cap. 30), o bispo de Hipona observa que, embora o filósofo neoplatônico Porfírio tenha rejeitado esse conceito ensinado por Platão e Plotino, e não hesitasse em corrigir os seus mestres nesse ponto, ele achava que as almas humanas voltavam em outros corpos humanos. Sobre essa questão (metempsicose), o Espiritismo corrige o equívoco de Pitágoras.

Atualmente, para alguns cristãos, a "prova" da unicidade da vida humana está inserta no cap. 9, versículo 27, da carta de Paulo aos hebreus: "aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo". Será que Jesus atribuiu para a vida atual um valor decisivo para toda existência posterior à morte? No debate, os convictos da unicidade proclamam a ressurreição, mas sobre esse fenômeno sobrenatural é imperioso refletir sobre os casos da filha de Jairo (Mt. 9:18-26), do filho da viúva de Naim (Lc. 7:11-17) e do próprio Lázaro (Jo. 11:1-44). Se ambos "ressuscitaram" como crêem tais cristãos, como ficaria a evocação da carta aos hebreus acima, para se negar a reencarnação? Recordemos que ambos os "ressuscitados" não teriam morrido uma só vez. A propósito, sequer estavam mortos, apenas acometidos de catalepsia. (7)

Jesus asseverou que a verdade libertaria o homem. Se a verdade (reencarnação) está sendo negada aos cristãos atualmente, fica evidente que os mesmos não se encontram livres, ou, o que é pior, estão algemados aos férreos dogmas humanos, disseminados pelos negadores contumazes do princípio natural da reencarnação, forjadores de uma fé entronizada nos pináculos da ficção, do mito e dos celestes devaneios do imaginário teológico.

Na máxima "nascer, morrer, renascer e progredir incessantemente tal é a Lei", encontramos o mais legítimo processo universal de aplicação dos códigos de justiça nas Leis do Criador.

Fontes:

(1) Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.), filósofo e matemático grego. Seus seguidores, os pitagóricos, que, dos sécs. VI ao IV a.C., organizados em comunidades filosófico-religiosas multiplicadas pela Magna Grécia, constituíram a chamada escola itálica ou escola pitagórica. Define-se o pitagorismo por duas tendências: a místico-moralista, ligada ao orfismo e ao xamanismo, e a filosófico-matemática, de que resultou brilhante acervo de conhecimentos aritméticos, geométricos, astronômicos e acústicos, integrados pelo descobrimento de correspondências numéricas entre as várias ordens de realidade.

(2) Diz-se de, ou adepto do gnosticismo, movimento filosófico-religioso surgido nos primeiros séculos da nossa era e diversificado em numerosas seitas, e que visava a conciliar todas as religiões e a explicar-lhes o sentido mais profundo por meio da gnose (conhecimento esotérico e perfeito da divindade, e que se transmite por tradição e mediante ritos de iniciação).

(3) Morreu em 254 d.C, na cidade de Tiro, em virtude da perseguição de Décio, mais conhecido pelo nome de Trajano, o qual era um incansável opositor do Cristianismo.

(4) Órgão colegiado e permanente do governo eclesiástico das Igrejas do Oriente.

(5) Virgílio (537–555). Nasceu em Roma de família nobre. Foi eleito graças à simonia, à calúnia e à cumplicidade da imperatriz Teodora. De caráter débil, foi vítima de chantagens por parte da imperatriz e do imperador Justiniano. Morreu em Siracusa, quando voltava a Roma, depois de demorada visita ao Oriente.

(6) Há quem afirme que foi por influência de Teodora, esposa de Justiniano, que gostaria de ser divinizada, porém, por ter sido ex-cortesã, mandou matar as antigas colegas (500 mulheres), porque se mostravam orgulhosas por sua antiga "AMIGA" que se havia tornado imperatriz. Os fregueses das meretrizes mortas lançaram à Teodora um anátema: suas próximas 500 reencarnações terminariam sempre de forma trágica. (Se non é vero, é bene trovato).

(7) Estado em que se observa uma rigidez cérea dos músculos, de modo que o paciente permanece na posição em que é colocado. [Observa-se a catalepsia principalmente em casos de demência precoce e de sono hipnótico.]


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