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Especial
Ano 1 - N° 40 - 27 de Janeiro de 2008

AIGLON FASOLO
aiglon@nemora.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


Como a Igreja tratou a heresia dos Albigenses ou Cátaros
 

Os cátaros foram responsáveis por duas das mais
controvertidas atitudes tomadas pela Igreja
 Católica Romana em toda a sua existência
 

“... perdoem nem a condição, nem sexo, nem idade... Mate-os todos, cátaros ou católicos... O Senhor saberá distinguir os seus!”  (1)

(Palavras proferidas por Arnoldo Amauri, abade de Citeaux, depois arcebispo de Narbonne (2), em 1209, quando seus soldados lhe disseram que não sabiam distinguir entre católicos e cátaros, no cerco, invasão e massacre da população inteira, homens, mulheres e crianças, da cidade de Beziers, durante a cruzada empreendida pelo papa Inocêncio III (foto) contra os Albigenses ou Cátaros, da região do Languedoc, sul da França, citando a 2ª carta de Paulo a Timóteo, 2:19.)

Uma visita a Carcassone, cidade medieval duplamente murada, situada na província de Aude, que pertence ao Langue D’Oc francês, alguns anos atrás, despertou-me o interesse pela heresia dos Albigenses, também chamados Cátaros (do grego Kathares = Puros). Alguns folhetos distribuídos pela municipalidade dessa cidade traziam informações curiosas, sobre essa heresia, que eu desconhecia na época.

Por que uma população inteira e uma cultura que floresceu nos séculos 10 a 13 de nossa era, localizada no que hoje é parte da França, entre os Pirineus e a fronteira com a Itália, o que conhecemos hoje como Aude e Provença, foi dizimada durante os anos de 1208 a 1245?

Os cátaros foram responsáveis por duas das mais controvertidas atitudes tomadas pela Igreja Católica Romana em toda a sua existência. Contra eles foi decretada uma cruzada pelo papa Inocêncio III em 1207, (3) e por causa deles se deve a criação em 1215, pelo mesmo papa, do dito Santo Ofício, mais comumente conhecido como Inquisição, e nomeado para exercer esse ofício o fanático padre espanhol Domingos de Gusmão,(4) criador da  Ordem dos Dominicanos.

Os Occitanos (pessoas que falavam a “língua d’oc ou provençal”) possuíam na época (primeira década de 1200) uma civilização muito mais avançada  do que o resto da Europa. Sua capital era a cidade de Toulouse. Com as cidades de Beziers, Carcassone, Albi, Narbonne, entre outras, havia um grande intercâmbio cultural, ligando grande parte da Europa. Cultura essa transportada pelos Trovadores (Troubadors), cantores populares que iam de cidade em cidade, transferindo a cultura evoluída da região. Os judeus eram aceitos e podiam praticar sua religião em sinagogas sem serem molestados, o que não acontecia no resto da Europa, onde eram sistematicamente perseguidos.

O que mais chamava atenção era que todos eram convidados a aprender a ler, inclusive as mulheres; o índice de analfabetismo era quase nulo. Existia terra e trabalho para todos. As artes eram estimuladas e os artistas valorizados. A alimentação na região era abundante, e dividida entre todos.

Todo esse progresso tinha um motivo: a religião professada no local. Desde o fim do século X, os occitanos professavam a filosofia cátara,  uma religião cristã de raízes gnósticas, dos primeiros anos do Cristianismo.

Os princípios fundamentais dessa religião se baseavam em que:

– O mundo material, a Terra, era um lugar mau, um lugar de expiações.

– Os homens haviam sido aqui postos por causa do pecado do Orgulho.

– Por isso deviam aqui passar por diversas encarnações, para se purificar.

– Homens e mulheres eram iguais, com mesmos direitos e deveres e, ao reencarnar, poderiam fazê-lo como um ou outro. 

– Possuíam pregadores, chamados Parfaits, ou Bonhommes, tanto homens como mulheres, que se dedicavam a educar as pessoas, principalmente crianças em escolas, que eram abertas a toda a população, e não somente aos nobres ricos, onde alfabetizavam e ensinavam sua doutrina.

– Esses pregadores se mantinham solteiros por opção, porém costumavam caminhar sempre em duplas, de ambos os sexos, indistintamente.

– Eles tinham que prover seu próprio sustento, trabalhando, porque diziam que ninguém era obrigado a sustentá-los.

– Como trabalho, eram especialistas em fazer papel, para confecção de livros e artes.

– Um dos seus lemas maiores era “O trabalho é uma prece”.

– Traduziram e ensinavam os evangelhos na língua d’oc ou provençal, pois diziam que Deus não sabia só latim. 

– Não acreditavam no Velho Testamento, pois o Deus ali representado é cruel e vingativo, representando o Mal, porém aceitavam alguns de seus livros. (5)

– Seguiam o Novo Testamento, principalmente o Evangelho de João, os Atos dos Apóstolos e as Epístolas de Paulo.

– Diziam que eram a verdadeira Igreja de Cristo, pois seguiam a sua doutrina, dos evangelhos e dos seus apóstolos, em palavras e obras.

Reinerius Saccho, inquisidor dominicano,(6) enumera alguns dos erros dos cátaros, o que diziam e faziam, segundo ele:

– Todos os vícios e pecados estão na igreja católica, e só eles (os cátaros) vivem corretamente.

– São eles os legítimos pobres de Espírito, e sofrem perseguição por sua retidão e fé.

– Desprezam os estatutos da igreja por sua inutilidade.

– O Papa e todos os bispos são homicidas por causa de suas guerras.

– Os prelados são escribas e os monges, fariseus.

– Não se deve obedecer a bispos, só a Deus.

– Ninguém é maior ou melhor que outro na igreja (“...vós todos sois irmãos” - Mateus, 23:8).

– Ninguém deve ajoelhar-se perante um padre: (... vê, não faças isso. Apocalipse, 19:10)

– Dízimos não devem ser pagos, porque os primeiros frutos não serão dados à igreja.

– O sacerdote não devera ter posses. Os sacerdotes e toda a tribo de Levi não devem ter parte ou herança, porque eles comem o sacrifício, e não deverão receber mais nada. (Deuteronômio, 18:1-2)

– Os clérigos, monges, bispos e abades não deveriam ter prebendas ou direitos reais.

– As terras do povo não deverão ser divididas em partes.

– É mau fundar ou patrocinar igrejas e mosteiros.

– Não se deve fazer coletas em favor da igreja.

– Ninguém deve ser forçado a qualquer crença.

– Abominam os padres por sua preguiça, dizendo que deveriam trabalhar com suas mãos, como faziam os apóstolos.

– Reprovam títulos dignitários, como Papa, Bispo, etc.

– Não aceitam privilégios eclesiásticos.

– Desprezam a imunidade da igreja, do clero e suas coisas.

– Condenam concílios, sínodos e assembléias.

– Dizem que direitos paroquiais são invenção.

– Que regras monásticas são tradição dos fariseus.

– Que a mulher, depois de parir seu filho, não precisa ser purificada e bendita, já o sendo pela maternidade.

– Que a igreja peca ao não permitir o casamento de seus padres, visto que a igreja do Oriente (ortodoxa) o permite e promove.

– Que a ordenação sacerdotal nada vale, que cada bom homem é um sacerdote, como os apóstolos foram simples bons homens.

– Que a prece de um mau sacerdote nada vale, e ridicularizam a igreja quando nomeia conhecidos pecadores e criminosos para cargos eminentes.

– Que o latim não é mais querido a Deus que seu vulgar (sua língua).

– Que cada bom cidadão, e mesmo as mulheres, podem pregar. (Eu queria que vós falásseis outras línguas e pregassem, para que a igreja pudesse ser edificada - I Coríntios, 14:5)

– Que a doutrina do Cristo e dos apóstolos é suficiente para a salvação, sem os estatutos da igreja.

– Que existe mais transgressão na tradição humana que na lei de Deus. (Por que transgredis vós também a lei de Deus, por causa de vossas tradições? - Mateus, 15:3)

Outro inquisidor, o cardeal Raynaldus,(7) escreveu em seus “Annales” (começo do século 13):

... “dizem (os Cátaros) existir dois Criadores. Um benevolente, que é o do Novo Testamento, outro malévolo e mentiroso, também homicida, que é o do Velho Testamento. Mentiroso, porque afirmou que se o homem comesse do fruto da árvore do conhecimento por certo morreria, porém isso não aconteceu, somente ficou sujeito à miséria da morte. Homicida, por ter destruído as cidades de Sodoma e Gomorra, além de devastar o mundo pelo dilúvio e afogar os soldados do Faraó no Mar Vermelho, e malévolo por dizer que se arrependia de ter criado o homem, embora o tenha criado à sua imagem e semelhança.”

...”dizem também que o Cristo, nascido em Belém, e crucificado em Jerusalém, era somente um homem, embora tivesse uma alma divina, e que Maria Madalena era sua concubina...”.

...que a Igreja Católica era um covil de ladrões, e era a grande meretriz do Apocalipse de João (Apocalipse, 17:1 a 4).”

“Dos mandamentos da Santa Igreja, dizem que a Santa Água do batismo não é mais que água de rio, que a Hóstia Consagrada não é mais que pão. Confissões, consideram também vãs e frívolas...”

...”negando também a Ressurreição da Carne, postulam algumas noções jamais ouvidas, que nossas almas são de espíritos angelicais, tendo sido expulsos do Céu pelo pecado do Orgulho. Que depois de sucessivamente habitar sete corpos terrenos para cumprir sua penitência, essas almas retornarão ao seu estado angelical.”

... “também  costumam fazer imposição de mãos sobre os simples, dizendo que com isso podem curar males do espírito e do corpo, perdoando seus pecados.” 

“Chamam aos que seguem rigorosamente sua doutrina ”Perfeitos”, que podem ser tanto homens como mulheres, com direitos absolutamente iguais. Esses se ocupam de difundir essa doutrina pelo exemplo da perfeição de sua conduta, não se submetendo a nenhuma autoridade da Santa Igreja Católica, sejam padres, bispos ou superiores, dizendo que esses são corruptos, ladrões, blasfemos e pecadores!...

O dominicano Bernardo Guidone, ou Bernardo Gui, como era comumente chamado, talvez o mais famoso dos Inquisidores, cita os mesmos pecados praticados pelos Cátaros, somente de maneira mais didática:(8)

“... dizem de si mesmo, que são bons cristãos, que não juram, mentem, ou falam mal de outros. Não matam homem ou animal ou nada que tenha o sopro da vida, pois são vegetarianos. Que sustentam a fé de Cristo e seus evangelhos, como ensinado por seus apóstolos. Ocupam hoje o lugar dos apóstolos, e por causa disso os da Igreja Romana, prelados, curas e monges, e especialmente os inquisidores de heresias os perseguem e chamam de hereges embora sejam bons cristãos, e que são perseguidos como Cristo e os apóstolos o foram pelos fariseus”.

“...falam das vidas laicas dos sacerdotes e prelados da Igreja, da sua cupidez, lassidão, avareza e vida pouco honesta, que todo o povo conhece. Esses prelados, curas e monges são fariseus e falsos profetas, pois não fazem o que pregam.

“... batismo, comunhão, unção são maneiras de vender caro água, óleo e farinha, e que, sendo pecadores, os padres não têm poder de ligar e religar e, não sendo limpos, não podem limpar outros pela confissão”. 

“...que a cruz de Cristo não deveria ser venerada, porque ninguém veneraria a forca na qual seu pai, parente ou amigo fosse enforcado”.

“Além disso tudo, lêem os Evangelhos e as Epístolas em sua língua vulgar (occitano), contrariando as normas da Igreja e expondo-a a que seja vilipendiada, e aplicando-as em seu favor.”

Quando o Papa Eugênio III enviou, em 1147, o monge cluniacence Bernardo de Claivaux (São Bernardo), famoso pelas palavras “Pela persuasão, não pela violência, os homens são vencidos para a fé”, e reconhecidamente um dos maiores pregadores que a igreja teve, de conceito moral reconhecido, para converter esses ímpios cátaros, o mesmo, espantado com a devassidão, corrupção e lassidão existente em todo o clero local, contrastando com a vida correta e regrada dos ditos hereges, desistiu da missão e voltou, comunicando que para conseguir algum êxito seria necessário destituir todas as autoridades católicas da região, e que não havia encontrado pecado grave nos cátaros.

O papa Inocêncio III decretou indulgência plena para quem fosse dizimar os cátaros no Langue D’Oc. Os cruzados podiam matar, violentar e roubar todos, sem distinção de sexo, idade ou ordem, que seus pecados seriam imediatamente perdoados. Teve nesta cruzada o grande auxílio dos reis Felipe Augusto e depois Luís VIII e seus nobres do norte da França, interessados nas terras e riquezas desta região.

Os historiadores estimam que mais de quinhentas mil pessoas foram ali assassinadas nos pouco mais de 20 anos de duração dos combates.   

Anotações:

(1) Caesarius of Heisterbach  em seu Dialogus Miraculorum  (Medieval Sourcebook).

(2) Dele Inocêncio III disse anos depois -“...não conhece outro deus que o dinheiro, tem uma bolsa no lugar do coração. Seus monges e curas têm amantes e vivem de usura... São objeto de riso e desprezo da comunidade laica em toda a região.”

(3) Herbert George Wells diz em seu livro “
Crux Ansata” - “A história desta cruzada é um capítulo que os historiadores da Igreja Católica têm feito o máximo para obliterar”.

(4) Domingos de Gusmão morreu em 1221, e foi por seus serviços à causa da Igreja, canonizado logo após, em 1234.

(5) Aceitavam os livros de Salomão, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos, Juízes, Jó e Salmos.


(6) Em seu livro “Das seitas dos modernos hereges” (cerca 1250).

(7) Cardeal Odoricus Raynaldus, em “Annales ca. 1331”.

(8) Em seu livro “O Manual do Inquisidor (Practica Officii Inquisitionis Hereticae Pravitatis ou Do trabalho prático do inquisidor nas depravações heréticas)” escrito em 1331.

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita