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Entrevista
Ano 1 - N° 33 - 2 de Dezembro de 2007
KATIA FABIANA FERNANDES
kffernandes@hotmail.com
Londres (Inglaterra)

Nelly Berchtold:

É muito importante que não nos acostumemos à violência

“O Espiritismo para mim é a revivescência do Cristianismo primitivo. A instauração de uma nova relação entre os homens e destes para com Deus.” É assim que Nelly Yvonne Berchtold (foto), trabalhadora espírita radicada na Suíça, fala sobre a Doutrina dos Espíritos.

Para ela, os conhecimentos adquiridos no Espiritismo, como as noções sobre as causas anteriores dos sofrimentos, sobre o progresso contínuo do Espírito e de sermos co-construtores na obra do Criador, são os maiores estímulos para perseverar em face das  adversidades.  Adversidades como as que

enfrentou na adolescência, quando sua mediunidade começou a se manifestar. Filha de evangélicos, Nelly pensava que havia perdido a razão, o que só se modificou depois de muitos anos, quando encontrou a Doutrina Espírita e se sentiu, então, aliviada.

Nesta entrevista à revista O Consolador, ela mostra seu ponto de vista sobre questões fundamentais e polêmicas dentro do Espiritismo, questões estas que, segundo ela própria, merecem muita reflexão. Uma das perguntas que lhe foram propostas diz respeito à violência que parece aumentar no mundo, o que motivou nela a seguinte observação: “É muito importante que não nos acostumemos à violência!”

O Consolador: Nelly, onde você nasceu?

– Em Berna, na Suíça.

O Consolador: Onde você mora atualmente?

– Bienne, também na Suíça.

O Consolador: É verdade que você já morou no Brasil?

– Sim. Minha família emigrou para o Brasil em 1956, quando eu tinha sete anos e, devido à minha profissão, mudei-me inúmeras vezes. No Brasil morei no Rio de Janeiro, no Piauí e em São Paulo. Na Suíça, morei em Berna, Porrentruy, Moutier e agora em Bienne.

O Consolador: Qual é sua formação escolar?

– Sou médica especializada em doenças infecciosas (pela UERJ) e em saúde pública (pela USP). E estou finalizando atualmente a especialização em pedopsiquiatria na Suíça.

O Consolador: Que cargos ou funções você já exerceu ou exerce atualmente  no movimento espírita?

– Sou fundadora do Centro de Desenvolvimento Espiritual Estesia, em Berna. Atualmente sou dirigente do mesmo Centro e também vice-presidente da União dos Centros de Estudos Espíritas na Suíça.

O Consolador: Quando você teve seu primeiro contacto com o Espiritismo?

– No início da década de 70, quando era ainda estudante.

O Consolador: Houve algum fato ou circunstância especial que haja propiciado esse contacto?

– Sem dúvida. Aos 16 anos de idade vivenciei alguns fenômenos mediúnicos. Sendo filha de evangélicos, eu não encontrava explicações e receava estar "perdendo a razão". Levei muitos anos até encontrar as respostas e foi um alívio conhecer o Espiritismo...

O Consolador: Qual foi a reação de sua família?

– A minha adesão ao Espiritismo deu-se quando era recém-casada. Eu sentia nitidamente que já tinha compartilhado outras experiências com meu companheiro, judeu não praticante. Ele ficou menos incomodado do que a minha mãe, que receava uma severa punição “pela minha deserção da senda reta”.

O Consolador: Dos três aspectos do Espiritismo - ciência, filosofia, religião - qual o que mais a atrai?

– O aspecto filosófico.

O Consolador: Que autores espíritas mais lhe agradam? 

– Encantei-me com a trilogia Há dois mil anos; 50 anos depois... e Ave Cristo. A leitura de Paulo e Estevão, também de Emmanuel, tocou profundamente meu coração. Aprecio muito os livros psicografados por Yvonne Pereira. Além disso, não passo um dia sem ler uma mensagem de Emmanuel. A série de André Luiz é muito esclarecedora da realidade pós-morte. Os livros de Manoel Philomeno de Miranda (Espírito) são extremamente úteis quando temos a preocupação com a qualidade da reunião mediúnica. A riqueza da literatura espírita é extraordinária. Gosto dos livros de Eurípedes Kühl. Novos bons livros surgem de diversas procedências como os do médium André Luiz Ruiz, que são maravilhosos em seu conteúdo (a revisão do português poderia ser melhorada) e os recentes livros que honram o aspecto científico, como os publicados pela AME.

O Consolador: Que livros espíritas você considera indispensáveis ao confrade iniciante?

– A base é Kardec, em seguida viriam os de André Luiz. Constato, porém, que em nosso centro espírita de Berna poucos lêem André Luiz espontaneamente, considerando seu português muito difícil. Foi preciso criar um grupo de estudos específico para estes livros. Se penso na população da Suíça e países vizinhos, diria que para estas os livros de Yvonne Pereira teriam maior penetração. A leitura da trilogia Nas Voragens do Pecado; O Cavaleiro de Numiers e O Drama da Bretanha transformou muitas vidas por aqui...

“Ousaríamos imaginar Cristo salvo da dor, graças ao seu corpo fluídico, enquanto seus seguidores de carne, os primeiros
cristãos, seriam devorados pelas feras nos circos?”

O Consolador: Se fosse passar alguns anos num lugar remoto, com acesso restrito à atividade espírita, que livros pertinentes à doutrina você levaria? 

– Já passei por essa experiência quando morei no sertão do Piauí. Levei muitos livros psicografados por Divaldo e Chico. Foram o meu consolo e meu alimento. Que bênção!  Não pude divulgá-los como teria desejado, porque estava a serviço de um padre alemão, homem íntegro que muito lutou para diminuir o sofrimento do povo durante os quatro anos de seca, mas que era rígido nas questões religiosas. Tivemos alguns choques de opinião.

O Consolador: As divergências doutrinárias em nosso meio reduzem-se a poucos assuntos. Um deles diz respeito ao chamado Espiritismo laico. Para você o Espiritismo é uma religião?          

– Sem dúvida, é uma religião, pois favorece a ligação da criatura com o Criador, mas tem o mérito de não impor dogmas. Você aborda uma questão muito importante. Alguns aqui têm se empolgado com o Espiritismo desejando porém ignorar sua base cristã. Gostariam que na divulgação deixássemos de lado o aspecto religioso, o que me parece temerário.

O Consolador: Outro assunto que suscita debates acalorados diz respeito à obra de J. B. Roustaing.  Qual a sua apreciação dessa obra?

– As discussões a respeito da natureza do Cristo são antigas... Surgiram quando o imperador Constantino tornou o Cristianismo a religião oficial do império romano. Ário, presbítero de Alexandria, afirmava sensatamente que Jesus quase atingira a perfeição divina; já o diácono Atanásio proclamava que Jesus era Deus que assumira a forma humana. O Concílio de Nicéia em 325 d.C. infelizmente deu razão ao segundo. Foi uma decisão política de uma autoridade romana. Sabemos que a seguir os textos bíblicos foram desfigurados. E o foram duplamente, tanto para introduzir a noção da virgindade de Maria, quanto para apagar as passagens que faziam referência à reencarnação. O Espiritismo teve a gloriosa oportunidade de desfazer muitos mitos, de restabelecer a simplicidade do Cristianismo primitivo.

As obras de Kardec não ratificam a idéia do corpo fluídico de Jesus. Os argumentos de Roustaing são insustentáveis. Seria um desdouro a maternidade de Maria segundo as leis biológicas estabelecidas pelo Criador? O que pensar da doação suprema de Jesus no Calvário, se seu corpo fosse fluídico... Seria uma encenação! Ousaríamos imaginar Cristo salvo da dor, graças ao seu corpo fluídico, enquanto seus seguidores de carne, os primeiros cristãos, seriam devorados pelas feras nos arenas?

Pergunto-me por que a obra de Roustaing, tão contraditória e contrária aos ensinamentos de Kardec, continua sendo publicada – pelos espíritas! Deveríamos ter mais discernimento. É natural que as obras pioneiras de Kardec suscitassem movimentos contrários, mas por que perpetuar equívocos por mais de um século?

O Consolador: O terceiro assunto em que a prática espírita às vezes diverge está relacionado com os chamados passes padronizados, propostos na obra de Edgard Armond. Herculano Pires recomenda em sua obra tão-somente a imposição das mãos. Que você pensa sobre o assunto?

– O Cristo podia curar pela imposição das mãos, pelo toque de suas vestes ou até à distância como atestam as escrituras. No entanto, quando lemos atentamente a descrição dos passes aplicados pelos benfeitores espirituais na obra de André Luiz, constatamos que não há a simples imposição das mãos. Tenho também alguma dificuldade em distinguir o passe de limpeza do passe de cura. Como médica, penso que existe um continuum, isto é, somos todos mais ou menos doentes. O emprego de passes padronizados constitui uma escolha com conseqüências para o atendido. Se supusermos que este se encontra acompanhado por seu guia espiritual ou um Espírito amigo que tenta intuir o passista sobre as necessidades do paciente, não haverá liberdade de ação se priorizarmos a técnica em detrimento da intuição. Há também que levar em consideração os limites do passe, que independem da técnica. Considero haver uma certa ingenuidade em imaginar que poderíamos “extrair” um obsessor com essa ou aquela técnica. Meu receio é que sejam criados dispositivos rígidos a pretexto de “salvaguardar a pureza doutrinária” e que tenhamos um “novo Vaticano”.

O Consolador: Como vê a discussão em torno do aborto? No seu modo de ver as coisas, os espíritas deveriam ser mais ousados na defesa da vida, como tem feito a igreja?

– Considero os espíritas ousados nesta questão. Resido há muitos anos fora do Brasil e desconheço as iniciativas dos católicos e evangélicos fora da Suíça; constatei porém um grande empenho por parte da AME – Associação Médico-Espírita do Brasil.   

O Consolador: A eutanásia é uma prática que não tem o apoio da doutrina espírita. Kardec e outros autores, como Joanna de Ângelis, já se posicionaram sobre esse tema. Ultimamente surgiu, no entanto, a idéia da ortotanásia, defendida até por médicos espíritas. Qual a sua opinião?

– Existem posições bem sensatas. Talvez haja divergências quanto ao sentido do termo. Se entendermos a ortotanásia como a morte com um mínimo de sofrimento (ao contrário da distanásia – uma prolongação da vida através de meios artificiais, resultando em sofrimento), através do uso de analgésicos, oxigênio e tudo o que puder assegurar um certo conforto àquele que está deixando o corpo, acho perfeitamente válido. No meu entender não está implícita a idéia de abreviar a vida, mas sim de diminuir o desconforto.

O Consolador: Você tem contacto com o movimento espírita brasileiro? Considera-o atuante, ou falta nele algo que favoreça uma melhor divulgação da doutrina?

– Há iniciativas dentro do movimento que merecem toda a nossa consideração e apoio. Porém a visão de conjunto me escapa. Receio, entretanto, que sejam criados dispositivos rígidos a pretexto de “salvaguardar a pureza doutrinária” e que tenhamos com isso um “novo Vaticano”. No que tange à divulgação, Kardec já afirmava em O Livro dos Espíritos que a doutrina para se tornar uma crença de caráter geral teria ainda grandes lutas a sustentar, mais contra os interesses do que contra as convicções.

O Consolador: Como você vê o nível da criminalidade e da violência que parece aumentar em todo o mundo, e como nós, espíritas, podemos cooperar para que essa situação seja revertida?

– É muito importante que não nos “acostumemos” à violência! Precisamos permanecer sensíveis e solidários. Sempre fico chocada, quando volto ao Brasil, com o destaque dado ao noticiário policial. Há que se utilizar os canais de comunicação - rádio, televisão e outros - para divulgar os valores positivos. Existem centenas de bons livros espíritas que poderiam ser transformados em novela, filme de TV ou cinema, peça de teatro. Seria uma forma de conteúdos construtivos serem veiculados para um número maior de pessoas, e funcionaria também como um contrapeso às notícias de impacto. Sabemos que isso já vem acontecendo em pequena escala, mas conviria ampliar a divulgação.

O Consolador: A preparação do advento do mundo de regeneração em nosso planeta já deu, como sabemos, seus primeiros passos. Daqui a quantos anos você acredita que a Terra deixará de ser um mundo de expiação e de provas, passando plenamente à condição de mundo de regeneração, em que, segundo Santo Agostinho, a palavra amor estará escrita em todas as frontes e uma equidade perfeita regulará as relações sociais?

– Estou persuadida de que isto se dará muito em breve. Por ora, a humanidade passa por grandes calamidades, mas uma plêiade de Espíritos luminosos está reencarnando. Penso que na segunda metade deste século o joio e o trigo já estarão separados. A seguir, será um processo que demandará tempo, alguns séculos, até a instauração da eqüidade perfeita.

O Consolador: Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?

– Considero a evangelização infantil e juvenil a prioridade absoluta. Entretanto, deve-se evangelizar exemplificando. A lei de causa e efeito precisa ser conhecida de todos. Mas há “muitas frentes de serviço”. O ensino deve voltar-se para melhores metas. A nova Física, cujas descobertas reforçam a convicção de uma inteligência suprema regendo o universo, precisa divulgar esse conhecimento. Os médicos espíritas estão fazendo um trabalho admirável, divulgando um novo paradigma, apresentando os resultados da prece associada ao tratamento e também mostrando as conseqüências da obsessão. As leis precisam ser remodeladas. No Brasil uma expressiva quantidade de juízes espíritas já se associou e desenvolve propostas inovadoras.
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita