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Entrevista
Ano 1 - N° 21 - 7 de Setembro de 2007
FERNANDA BORGES
fernanda@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

José Carlos Monteiro de Moura:

 “Eu entendo o Espiritismo como um todo. Cada um de seus aspectos responde às mais inquietantes indagações do ser humano”

José Carlos Monteiro de Moura (foto), um dos colaboradores desta revista, advogado criminalista radicado em Belo Horizonte (MG), dedica já há algum tempo parte de sua vida às atividades de divulgação da Doutrina codificada por Allan Kardec. Nesta entrevista, ele faz uma franca exposição sobre sua atuação no meio espírita e examina diversos temas da atualidade, como a questão da criminalidade e da violência, que, lembra ele, não são práticas exclusivas do Brasil. Segundo o confrade, que atua exatamente nessa área, os índices de criminalidade estão em alta na maioria dos países, principalmente nos do Terceiro Mundo. “Há um grande número de Espíritos embrutecidos  no   mal,  de  delinqüentes

épocas, que se encontram reencarnados”, afirma o confrade. “Tais espíritos não estão sabendo aproveitar essas oportunidades e se deixam levar pelos mesmos hábitos que os perderam em vidas passadas.”

Eis, a seguir, a entrevista:

O Consolador: Onde você nasceu?

José Carlos: Em Belo Horizonte.

O Consolador: Qual a sua formação?

José Carlos: Sou advogado criminalista. Fui Procurador do Estado de Minas Gerais e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFMG. Em ambas as funções hoje me encontro aposentado.

O Consolador: Que cargos você já exerceu no movimento espírita?

José Carlos: Fui conselheiro da União Espírita Mineira, integrante do seu Departamento de Divulgação Doutrina e seu vice-presidente de 1996 a 2001.

O Consolador: Que cargo ou função exerce no momento?

José Carlos: No momento, nenhum e não pretendo voltar a ocupar, pois o movimento espírita mineiro é muito complicado e cheio de melindres. Participo, apenas, de uma reunião mediúnica no Centro Espírita Luz, Amor e Caridade. Tenho, não obstante, compromissos com várias casas de Belo Horizonte e do interior do Estado, na área de estudos e divulgação doutrinária.

O Consolador: Quando você teve contato com o Espiritismo? Houve algum fato ou circunstância especial que tenha propiciado esse contato inicial?

José Carlos: O meu primeiro contato com o Espiritismo se deu através da Umbanda, lá pelos idos de 1974. Durante um ano, eu e minha esposa trabalhamos em terreiro de Umbanda. Daí partimos para o Espiritismo. Foi uma espécie de “jardim da infância”, embora nada tenha contra ela (a Umbanda), a quem respeito e a quem devo uma melhoria enorme em minha vida, pois quando a procurei estava passando por um momento dificílimo e sofrendo de uma angustiante crise de total ateísmo.

O Consolador: Qual foi a reação de sua família ante sua adesão à Doutrina Espírita?

José Carlos: De revolta, espanto, indignação e censura.  Sou oriundo de uma família tradicionalmente católica, em que o “beatismo” impera absoluto. A situação se agravou ainda mais porque não fui eu apenas a aderir ao Espiritismo. Comigo foram minha esposa e minhas filhas. Aliás, a bem da verdade, a minha esposa é que foi. Eu segui atrás, razão por que quem me levou para a Doutrina foi ela. Tanto a minha família como a família dela viram, no fato, uma verdadeira “agressão ao bom senso”. Fomos tachados de loucos e de inconseqüentes. Sofremos até ameaça de “excomunhão doméstica”, mas a nossa determinação impediu que desistíssemos da resolução. 

O Consolador: Dos três aspectos do Espiritismo – científico, filosófico e religioso – qual é o que mais o atrai?

José Carlos: Eu entendo o Espiritismo como um todo. Cada um de seus aspectos responde às mais inquietantes indagações do ser humano. Somente ele explica, por exemplo, a eterna questão do “quem sou, de onde eu vim e para onde vou”, tormento de todos os grandes filósofos em todas as épocas da civilização. Embora se trate de um tema que, por sua natureza, pertence ao campo filosófico, ele encontra, também, explicação e respaldo nos outros aspectos da Doutrina. No entanto, em face do momento atual do planeta, diante da grande proposta espírita, preconizada por Allan Kardec em “O Livro dos Médiuns” (Cap. XXIX, it. 334) que é a união de todos os homens por um único sentimento de fraternidade calcado na caridade cristã e, sobretudo, de sua capacidade de levar conforto e consolação aos que sofrem, o seu lado religioso desponta como de grande importância. Isso não implica, contudo, que eu o considere uma religião, nos termos que essa palavra vulgarmente traduz e significa. Todavia, homem algum, em época alguma de sua existência, conseguiu sobreviver sem o chamado sentimento religioso. As religiões são criações suas, cujas origens e fundamentos foram exatamente esse sentimento, que, lamentavelmente, serviu para as conhecidas distorções de todas elas. No Cristianismo, por se achar mais próximo de nós, é mais fácil identificar os extremismos e absurdos que, em nome do Cristo, ele praticou.  

O Consolador: Que autores espíritas mais lhe agradam?

José Carlos: Há que destacar entre autores espirituais, encarnados e médiuns. Entre os autores espirituais, é inegável a importância de Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis, Bezerra de Menezes, Manoel Philomeno de Miranda, Humberto de Campos, não obstante um certo ufanismo que se nota em seu Brasil Coração do Mundo e Pátria do Evangelho. Cada um, a seu modo e no setor que lhe é próprio, tem exercido uma inestimável tarefa de esclarecimento e de divulgação da Doutrina, além de contribuir, de forma efetiva, para a missão consoladora do Espiritismo. Entre os encarnados, dos estrangeiros, reputo de altíssima importância Léon Denis e Camille Flammarion. Dos autores brasileiros, Cairbar Schutel, Vinicius, Hermínio Miranda, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy, Ney Lobo, Suely Caldas Schubert, Herculano Pires, etc. Há que destacar ainda os médiuns Chico Xavier, Divaldo Franco e Raul Teixeira. Sem eles, penso que o Espiritismo não teria alcançado o seu estágio atual. Entretanto, seria extremamente injusto omitir o também notável trabalho mediúnico de Yvonne Pereira, Célia Xavier de Camargo e Zilda Gama, cujas contribuições para a Doutrina não foram ainda, no meu modo de ver, devidamente valorizadas.     

O Consolador: Que livros espíritas você considera de leitura indispensável aos confrades iniciantes?

José Carlos: É evidente que os livros da Codificação são indispensáveis. Todavia, nem todos se acham devidamente preparados para a leitura imediata, por exemplo, de “O Livro dos Espíritos”. Por isso, no meu entendimento, os livros mais simples, que poderíamos chamar de cartilhas, devem anteceder à leitura dessa obra. Entre tais cartilhas existem os livros de introdução à teoria e prática doutrinária, de autoria do próprio Kardec, a saber: “O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples”; “O Que é o Espiritismo” e “Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas”. Ainda nessa mesma linha, existem algumas publicações brasileiras de excelente conteúdo didático, como é o caso, por exemplo, do “ABC do Espiritismo”, de Victor Ribas Carneiro, editado pela Federação do Paraná.

São, também, importantes os livros de Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda. Essa relação não é hermética e é claro que existem outros, de cujos nomes, no momento, não me recordo. É preciso, porém, tomar um cuidado muito grande nesta indicação, porquanto, não obstante a respeitabilidade do nome com que a entidade se apresenta, todos sabemos que ele nem sempre corresponde à verdade. Tal fato ganhou, nos tempos atuais, uma dimensão de maior gravidade, em virtude da verdadeira exploração comercial em torno do livro psicografado, aprioristicamente rotulado de espírita e que, na verdade, nada tem de espírita. 

O Consolador: Se você fosse passar alguns anos num lugar remoto, com acesso restrito às atividades e trabalhos espíritas, que livros pertinentes à Doutrina Espírita, você levaria?

José Carlos: Além dos acima enumerados, os de Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Léon Denis e Camille Flammarion.

O Consolador: As divergências doutrinárias em nosso meio reduzem-se a poucos assuntos. Um deles diz respeito ao chamado Espiritismo laico. Para você, o Espiritismo é uma religião?

José Carlos: Não, em face do sentido com que esta palavra é normalmente empregada. Religião implica sacerdócio organizado, liturgia, objetos de culto, sacramentos, dogmas, e toda sorte de atividades exteriores. Sob essa ótica, Kardec jamais o admitiu como religião. No entanto, se o considerarmos em função de um laço que une os que pensam da mesma forma (comunhão de pensamentos), ele pode ser considerado religião. Trata-se, contudo, de uma religião de ordem moral, decorrente dessa comunhão de pensamentos, e cuja definição se acha no diálogo de Jesus com a samaritana: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (João, 4:23/24). Como se trata de um tema polêmico, e não obstante sermos contra a dogmatização de Kardec, não há ninguém melhor do que ele para esclarecer o assunto: “Uma religião, em sua acepção nata e verdadeira é o laço que religa os homens numa comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças”. “... o laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como conseqüência da comunidade de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família”.

“Se assim é, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores. No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os elos de fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da natureza. Porque, então, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável de culto, desperta exclusivamente uma idéia de formas, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes se levantou a opinião pública. Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres  de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque se diz: doutrina filosófica e moral”. (Revista Espírita, Edicel, SP, s/d, dezembro de 1868, pp. 356/357.)

Parece-me, em conclusão, que as explicações de Kardec eliminam quaisquer dúvidas que ainda possam existir acerca do tema. 

O Consolador: Outro tema que suscita geralmente debates acalorados diz respeito à obra publicada na França por J. B. Roustaing. Qual é sua apreciação dessa obra?

José Carlos: Para se poder emitir uma opinião consciente a respeito de uma obra é necessário que se tenha dela um conhecimento mais profundo. A minha leitura de Roustaing foi muito superficial. Confesso mesmo que, diante da verdadeira batalha verbal e escrita que, periodicamente, a questão suscita, li OS QUATRO EVANGELHOS movido muito mais pela curiosidade do que pelo espírito de análise e de crítica.

Mesmo assim, achei, no que tange às informações históricas, alguns dados de valor. Há, evidentemente, matérias controvertidas e de que ele cuida como se estivesse dando a última palavra. Todavia, não me pareceu que se trate de uma obra totalmente inadequada, que mereça ser colocada no índex, e seus leitores e seguidores, passíveis de excomunhão... O que mais me preocupa é que, ainda que ela contenha, como de fato contém, pontos contraditórios e polêmicos – alguns dos quais remontam aos primeiros tempos do Cristianismo, como é o caso do Docetismo – não se justificam os conflitos, agressões e contra-agressões que provoca, inclusive pela imprensa. Afinal de contas, já se fala muito, no meio espírita, em alteridade, que importa, entre outras coisas, em se respeitar a opinião alheia, ainda que dela se discorde. Por outro lado, existe algo que me intriga e para o qual ainda não encontrei resposta: Será que Bezerra de Menezes, que foi seguidor de Roustaing, seria tão inconseqüente a ponto de se deixar iludir por ele? 

O Consolador: O terceiro assunto em que a prática espírita às vezes diverge está relacionado com os chamados passes padronizados, propostos na obra de Edgard Armond. Embora saibamos que no Paraná a opção já definida pela Federação seja tão-somente a imposição das mãos tal como recomenda J. Herculano Pires, qual é sua opinião a respeito?

José Carlos: Tudo que implique alguma forma de ritual e de exterioridade é absolutamente contrário à idéia de simplicidade e de espontaneidade típicas do Espiritismo. Entendo, com o devido respeito, que tais práticas ritualísticas nada mais são do que reminiscências guardadas no subconsciente de antigos clérigos reencarnados, e que ainda não conseguiram libertar-se delas. Adoto, na íntegra, a opinião de Herculano Pires.

O Consolador: Como você vê a discussão em torno do aborto? No seu modo de ver as coisas, os espíritas deveriam ser mais ousados na defesa da vida como tem feito a Igreja?

José Carlos: Já perdi a conta das vezes em que escrevi contra os projetos que pretendem legitimar o aborto no Brasil. Para mim trata-se de um crime indefensável, a não ser em excepcionalíssimos casos. A minha posição a respeito consta, ainda que ligeiramente, do artigo “Aspectos inusitados do aborto”, publicado em número anterior desta Revista. A Federação Espírita Brasileira mantém em plena vigência o programa “Em Defesa da Vida”, que cogita da pena de morte, do suicídio, da eutanásia e do aborto. Pelo que sei, tal programa tem sido divulgado de forma bastante eficiente. Compete, pois, a cada federativa, nos limites de sua jurisdição, dar-lhe o devido implemento, despertando a sociedade para a sua importância. O que se deve pretender, tanto nesta como em outras questões sociais, é um maior engajamento dos espíritas. Há, lamentavelmente, entre os setores mais conservadores do Espiritismo, uma postura de total alheamento quanto a tais questões. Argumentam os defensores desse ponto de vista que a “Espiritualidade está atenta e que, no momento certo, não faltará”. Isso dá a entender que o anjo Ismael se acha de prontidão na velha sede da FEB, na Avenida Passos, no Rio de Janeiro, para intervir com seu exército celestial, quando a situação se agravar. É o eterno e cômodo erro de se deixar por conta da Espiritualidade a solução de problema humanos, criados por nós e que a nós compete solucionar. Se pudermos contar com a ajuda dela, melhor. Caso contrário, é de todo aplicável à espécie velho ditado do oeste de Minas, segundo o qual “quem pariu Mateus, que o embale”. Entendo, contudo, que atitudes muito ostensivas são contraproducentes, uma vez que despertam a antipatia popular, que não as consegue separar do radicalismo religioso e do beatismo católico.

O Consolador: A eutanásia, como sabemos, é uma prática que não tem o apoio da Doutrina Espírita. Kardec e outros autores, como Joanna de Angelis, já se posicionaram sobre esse tema. Surgiu, no entanto, ultimamente a idéia da ortotanásia, defendida até mesmo por médicos espíritas. Qual a sua opinião a respeito?

José Carlos: Sempre fui contra a eutanásia, e contra ela já me manifestei por diversas vezes. Não tenho dúvidas de que se trata de homicídio, embora admita, conforme as circunstâncias, que o autor possa alegar que foi impelido à prática do crime por motivo de relevante valor moral, o que lhe propiciaria a classificação do delito como homicídio privilegiado. Atualmente, o Código Penal não cogita nem dela nem da ortotanásia. A reforma do Código, que tramita pelo Congresso, define a eutanásia como crime autônomo, punido com pena de reclusão, de dois a cinco anos. E considera lícita a ortotanásia, entendida como “deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”.

Quanto à ortotanásia, continuo achando que a ninguém é licito tirar ou mesmo abreviar a vida de ninguém. Um aspecto que merece uma reflexão mais profunda diz respeito à distanásia, conceituada como o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente. Nela ocorre um prolongamento da agonia, de forma artificial, apesar de não existir, por parte dos médicos, qualquer possibilidade de cura ou de melhora. Alguns chegam a dizer que se trata de uma obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção ao ser humano. Não permite que o paciente tenha uma morte natural e sua agonia é prolongada, sem que haja expectativas de sucesso ou de uma qualidade de vida melhor para ele. A ortotanásia, que, etimologicamente, significa morte correta, implicaria o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural. Entendem alguns juristas e médicos - únicos que detêm a competência para realizá-la - que o doente já se encontra em processo natural de morte. O médico apenas contribui para que esse estado se desenvolva naturalmente. Entretanto, todos sabemos que há uma diferença entre morrer e desencarnar, o que serve para tornar a questão mais complexa do ponto de vista doutrinário. Como nenhum de nós conhece o programa reencarnatório das pessoas nesse estado, entendo que, quando nada por uma medida de prudência, ainda é cedo para nos posicionarmos a favor dela, da ortotanásia.

O Consolador: O movimento espírita em nosso país lhe agrada ou falta algo nele que favoreça uma melhor divulgação da Doutrina?

José Carlos: No que diz respeito à FEB, entendo que ela tem desenvolvido, principalmente na gestão atual, um trabalho incansável de divulgação, admitindo, inclusive, algumas aberturas que, no passado, não poderiam sequer ser cogitadas. Tenho visto, também, que inúmeras federativas já adotam uma postura bem avançada nesse sentido, sem que isso implique algum tipo indesejável de proselitismo. Em Minas, cujo movimento conheço bem, porque nele atuei de 1978 a 2001 (mea culpa), ele apresenta uma característica muito pessoal, principalmente em Belo Horizonte, girando, quase sempre, em torno de uma determinada figura, que assume aspectos de verdadeiro oráculo. Há, não obstante, cidades que já se libertaram do guante da União Espírita Mineira. Nelas, como são os casos de Juiz de Fora, Uberlândia, Uberaba, Araxá, Lavras, Sacramento (esta relação é apenas exemplificativa), já não se nota a tendência centralizadora observada na capital, e o movimento segue um ritmo bem acelerado e é dotado de uma organização muito boa. Lamentavelmente, Belo Horizonte, que deveria ser o modelo para todas as regiões do Estado, insiste em assemelhar-se a uma grande arquidiocese!

O Consolador: Como você vê o nível da criminalidade e da violência que parece aumentar em todo o país e como nós, espíritas, podemos cooperar para que essa situação seja revertida?

José Carlos: A violência não é privilégio do Brasil. Ela sempre existiu no mundo e acompanha o homem desde as primeiras tentativas de civilização. Os índices de criminalidade estão em alta na maioria dos países, principalmente nos do terceiro mundo. A globalização do crime é fato incontestável e está devidamente documentada em livro que leva esse nome, escrito por Jeffrey Robinson, um autor americano. Ele nos dá conta de que, nos últimos anos, na era da economia globalizada, formou-se uma aliança secreta e mortal, da qual fazem parte alguns dos mais perigosos criminosos do mundo: os cartéis de droga da América do Sul, a Máfia italiana, com suas ramificações locais, a Camorra napolitana, a Ndrangheta da Calábria, a Máfia propriamente dita da Sicília, além de sua sucursal norte americana, a Cosa Nostra, as quadrilhas asiáticas, e o crime organizado russo. O Brasil não poderia deixar de sofrer a influência dessa verdadeira pandemia criminosa.

Há, ademais, um fator que é desconhecido de todos os que se dedicam ao estudo das causas da criminalidade, e que a nós, espíritas, não pode passar despercebido, ou seja: o grande número de Espíritos embrutecidos no mal, de delinqüentes de outras épocas, enfim, de considerável número de habitantes do umbral que se encontram reencarnados, nas últimas oportunidades que lhes são dadas de se adaptarem às novas condições do planeta, nos tempos que se anunciam. Infelizmente, tais Espíritos não estão sabendo aproveitar essas oportunidades e se deixam levar pelos mesmos hábitos que os perderam em vidas passadas.

Essa situação, para ser revertida, exige a conjugação de inúmeros fatores. É necessário um maior investimento dos governos federal e estadual, na educação, na saúde, na criação de empregos, além de uma radical transformação da política econômica de modo a permitir uma melhor distribuição de renda. Isso, todavia, parece muito utópico, razão por que só nos resta, como espíritas e cidadãos, uma única saída: descruzar os braços e participar ativamente das diversas atividades, quase todas de âmbito privado, que se acham empenhadas em, pelo menos, minimizar o problema, independentemente de sua coloração política ou religiosa. Se cada um fizer a sua parte, por menor que ela seja, o somatório final poderá acarretar sensíveis melhorias para o problema. Reversão total, somente quando o mal for afastado da face da Terra, coisa que, por mais otimistas que se possa ser, ainda se encontra bem distante de ser alcançada.  

O Consolador: A preparação do advento do mundo de regeneração em nosso planeta já deu, como sabemos, seus primeiros passos. Daqui a quantos anos você acredita que a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações, passando plenamente à condição de um mundo de regeneração, em que, segundo Santo Agostinho, a palavra “amor” estará escrita em todas as frontes e uma equidade perfeita regulará as relações sociais?

José Carlos: Existem alguns companheiros que se acham muito entusiasmados com a proximidade do ano 2057, pois foi esta a data estabelecida pelo Chico, no programa Pinga Fogo da extinta TV Tupi de São Paulo, para que a Terra pudesse ser considerada um planeta de regeneração. Talvez ninguém respeite tanto o médium de Uberaba quanto eu. No entanto, ele não é e nunca pretendeu ser infalível e nesse seu pronunciamento ele errou nas previsões. O próprio Emmanuel, a quem foi atribuída a informação, em outra oportunidade afirmou expressamente (parece-me que em uma reunião fechada em Uberaba e para um grupo de fora do Estado que visitava o Chico) que, enquanto houvesse fome, miséria, guerras, violências de toda sorte, conflitos religiosos, e todos os demais males que constituem o cotidiano do planeta, ele não deixaria a sua atual posição de atraso, de dor e de sofrimento. O mais recente exemplo de que o amor está muito distante do coração dos homens foi dado pelo atual papa, ao pretender impor às demais ramificações cristãs o predomínio e a supremacia da Igreja Católica. Foi mais uma demonstração do fundamentalismo católico, responsável pelos mais negros acontecimentos da história, a partir do século IV. Cruzadas, incluindo-se nelas a terrível carnificina do sul da França contra os Cátaros, a soturna Inquisição, depois Tribunal do Santo Ofício e, hoje, Congregação para a Doutrina da Fé, a contra-reforma e o seu episódio mais marcante, a Noite de São Bartolomeu, e as atuais perseguições aos adeptos da Teologia da Libertação, não ficam devendo nada ao fundamentalismo islâmico. A esse respeito, nunca é demais recordar que um dos episódios mais sangrentos da história foi patrocinado pelos cristãos por ocasião da tomada de Jerusalém, em 1099. A matança indiscriminada de islamitas, judeus e cristãos foi de tal monta, que os cavalos dos cruzados, ao entrarem na cidade, mergulhavam no sangue até os joelhos. Deve ser levado em conta, ainda, que, de todos os participantes das Cruzadas, o que se revelou mais humano, “mais cristão” e mais tolerante foi exatamente o sultão Saladino...

Essas considerações não devem, contudo, servir de desestímulo para o trabalho dos espíritas. Elas revelam, apenas, que a luta será árdua e que muito será exigido dos trabalhadores da última hora, mesmo porque, em face do conhecimento que já possuímos, essa exigência será bem maior.

O Consolador: Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?

José Carlos: Divulgar a doutrina, sem intenção de fazer proselitismo, a fim de colocá-la a serviço de toda a humanidade, visando permitir que o ideal de Kardec, acima citado, e relativo à implantação de um mundo regido pela fraternidade sob o cunho da caridade de cristã, se transforme numa realidade. Isso, porém, não é tarefa que se realize da noite para o dia. A princípio, teremos mil anos para concretizá-la e, caso não consigamos levá-la a cabo dentro desse espaço de tempo, a misericórdia e a suprema bondade de Deus certamente nos concederão uma moratória.


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita